terça-feira, 8 de novembro de 2016

HELL IN RIO - DIAS 5 E 6 DE NOVEMBRO - TERREIRÃO DO SAMBA

     Tudo que envolve a organização do festival Hell in Rio é motivo de muito orgulho para os frequentadores da cena carioca. Uma produção impecável e idealizadora decide sonhar acordada, organizando um evento que tem tudo para virar tradição anual. O cast inaugural tem um objetivo claro, prestigiando a cena nacional. A importância dos nomes envolvidos para representar uma história de mais de trinta anos de Heavy Metal brasileiro é dada nos mínimos detalhes. Muitos consideram loucura promover algo desse tamanho apenas com bandas locais, mas casos recentes deixam claro o que acontece quando um produtor da um passo maior que a perna chamando inúmeras bandas gringas que não pode pagar. Para o começo de uma história, foi tudo feito com muita correção. Um laboratório perfeito para mostrar que é possível incorporar o festival no calendário anual de shows.
       O principal de tudo é deixar claro como a música feita no Brasil tem força, e que existem produtores capazes de fazer eventos de porte internacional. O local escolhido foi o Terreirão do Samba, que deixa claro no nome que a tradição dos eventos lá não é exatamente do nosso estilo. Uma aposta arriscada pelo tamanho, que de fato ficou exagerado para um público razoável que compareceu nos dois dias, mas incapaz de lotar uma área tão ampla. Levando para as casas tradicionais, seguramente esgotaria um Circo Voador, mas certamente o pacote final compensou a realização num lugar assim. Tirando isso, tudo que era necessário para um bom evento foi proporcionado pelo Terreirão do Samba. Inúmeras barracas para matar a fome e sede ao longo das horas de shows, estandes com muito material das bandas do festival, som de 1a, boa visualização do palco, muitos banheiros, espaço para que o público circule e uma localização central que permitia chegada e saída razoavelmente tranquila para todos. Enfim, tudo em cima para que o público curtisse intensamente cada show, que vale lembrar, começando rigorosamente no horário marcado. 


1o dia

    Apenas uma coisa saiu fora do script no começo de tudo. Uma chuva torrencial desabava sem parar ao longo do dia e noite. Mesmo assim, nada que alterasse o cronograma da festa. A qualidade do som era impecável, os horários eram cumpridos e o lugar até oferecia algumas partes cobertas para que o público se escondesse. Em função do clássico carioca que acontecia a poucos quilômetros dali, eu acabei me atrasando um pouco, depois de fazer uma jornada dupla futebol/Heavy Metal. Infelizmente não vi os primeiros shows. Reckoning Hour e Perception abriram a jornada, seguidos pelo mais que clássico Garotos Podres (atendendo pelo nome de O Satânico Dr Mao E Os Espiões Secretos) e o também muito forte Oitão. Os relatos que ouvi de ambos os shows foi extremamente positivo, como previsto. Cheguei exatamente na hora de uma das grandes atrações do festival, o Claustrofobia.

Claustrofobia - A banda paulista é uma das mais importantes no atual cenário do Heavy Metal brasileiro. Com o disco Download Hatred saindo do forno, não foram poucos os que estavam naquele 1o dia de festival com enormes expectativas para essa apresentação. Mesmo com a água que insistia em cair, se formou um enorme mosh pit do lado esquerdo do palco, onde todos tinham as letras na ponta da língua. Marcus D´Angelo (Vocal/Guitarra), Douglas Prado (Guitarra), Caio D´Angelo (Bateria) e Daniel Bonfogo (Baixo/Backing Vocal) entraram com uma garra impressionante para promover o novo trabalho. No tempo que simplesmente passou voando, a base do setlist foi formada por músicas dos dois discos mais recentes. Do já clássico Peste, coisas como a faixa-título, Matal Maloka, Bastardos do Brasil e  Pino da Granada garantiram a satisfação daqueles que não paravam de agitar um minuto na roda molhada. Enfim, uma apresentação impecável de uma banda que representa muito bem a nova safra do Heavy Metal nacional

Hibria, Almah e Dead Fish - Bem, eu não sou exatamente a pessoa mais adequada para falar muito sobre essas três bandas. O Dead Fish é um capítulo a parte, sendo para mim uma banda que destoa totalmente do festival como um todo. Entendo perfeitamente a escolha por um motivo bem simples. Eles levaram público, e certamente contribuíram bastante para que o cenário ficasse mais agradável no 1o dia de festival. O Hardcore bem mais ou menos da banda nunca me agradou, e ao vivo menos ainda. Enfim, nada muito além disso para comentar. Já o Almah e o Hibria são bandas que estão num patamar bem semelhante ao meu ver. Não sou fã de nenhuma delas, mas são shows extremamente agradáveis de assistir em um festival. A banda gaúcha é um dos maiores destaques do cenário atual, fazendo um sucesso enorme lá fora e com grande prestígio também no Brasil. O Power Metal com a voz diferente de Iuri Sanson se provou eficiente e cativante. O Hibria divulga o trabalho que leva seu nome lançado em 2015, fazendo seus fãs terem plena satisfação ao final do show. O Almah, capitaneado por Edu Falaschi - uma verdadeira lenda do Heavy Metal brasileiro - e o guitarrista Marcelo Barbosa é outra grande escolha. Mesmo nunca fazendo muito minha cabeça, é uma banda de musicalidade indiscutível e que sabe o que faz no palco. Com  E.V.O, seu 5o disco de estúdio, acabando de sair do forno, fez um dos shows mais legais da noite. O ponto máximo foi a parceria de Edu e Fabio Lione no clássico Nova Era, eternizado por Falaschi na atual banda de Lione. Fora o show de vozes, é muito legal ver a boa relação da dupla demonstrada em outras oportunidades e evidenciada na atual divisão de guitarrista. Dos tempos de Angra, ainda rolou a maravilhosa Heroes of Sand. Só por isso, já valeu a noite.

Sepultura - Coube a maior banda de Heavy Metal do Brasil fechar o 1o dia de festival. Nessa altura, o público diminuiu um pouco, restando apenas quem foi lá para reverenciar essa entidade da nossa música - claramente a maior parte dos presentes. A formação do Sepultura é fantástica há tempos, estando prestes a lançar mais um disco na carreira de mais de trinta anos. Dele veio uma provinha, a maravilhosa I Am The Enemy, mostrando que vem coisa boa por ai. O show encerra a tour de trinta anos do Sepultura, que já se prepara para rodar o mundo promovendo o novo disco.

Eis que Eloy Casagrande (bateria), Derrick Green (vocal), Andreas Kisser (guitarra) e Paulo Jr (baixo) começam a recapitular parte da gloriosa história da banda justamente pelos primórdios. Tome o memorável riff de Troops Of Doom chegando com tudo. Com um pulo no ótimo Kairos, a faixa da nome ao ótimo trabalho lançado em 2011 segue com o nível fantástico do show. Ai vem uma sequência daquelas, com coisas do porte de   Slave New World, Breed Apart, Desperate Cry e Dusted botando fogo no mosh. Dos tempos de Derrick, rolaram Convicted in Life, Dialog e The Vatican. Tudo com uma performance fantástica da atual formação. Só ver Eloy Casagrande em ação destruindo seu kit já vale o ingresso. O show seguiu para o final com hinos em sequência.  Territory,  Beneath the Remains, Arise e  Refuse/Resist são simplesmente devastadoras para quem acompanha a banda. Ainda é estranho ver a voz de Derrick em algumas dessas, mas apenas por diferenças de técnica vocal mesmo. A fraca Sepultura Under My Skin destoa, mas Ratamahatta e Roots Bloody Roots tratam de fechar a conta com correção.

Num dia de muita chuva, o saldo do Hell in Rio já era muito positivo. Público muito longe de lotar o enorme lugar, mas que passava longe de ser vergonhoso, conseguiu dar uma grande resposta em todos os shows. O festival foi impecável em todos os mínimos detalhes organizacionais, provando que com profissionalismo é possível sim realizar um grande festival no Brasil. Estava só no meio da festa, mas a satisfação de todos já era evidente. Agora era descansar para repetir a dose no dia seguinte.

2o dia

      O clima era outro no 2o dia de festival. A chuva felizmente não deu as caras, e ficou aquele tempo sensacional de festival à tarde. Um público levemente maior comparecia desde cedo, por obra e graça do line up. No 1o dia, os que levaram mais público foram Dead Fish e Sepultura. Já nesse segundo, foram três atrações. Pelo que vi de camisas e reações no show, Matanza, Angra e Korzus, com o Velhas Virgens também muito prestigiado. Meu objetivo já era ver o 1o show do dia, do Hatefullmurder, mas infelizmente não consegui chegar no horário novamente cumprido com invejável pontualidade. Sendo assim, era hora do show do Eros.

Eros - A banda volta a ativa depois de mais de vinte anos exatamente no festival. Com um disco no currículo - Road to Wisdom (1990) -, a nova formação ganha um guitarrista a mais. Themys Barros (vocal e Guitarrra), Raphael Marins (Guitarra), Gabriel Barros (Bateria) e Thomas Abrantes (Baixo) fazem um ótimo papel para um show de retorno justamente num festival desse tamanho. Apresentando um Thrash Metal clássico, divertiram bastante a turma que chegou cedo ao Terreirão do Samba. Thomas, já consagrado na cena como guitarrista do Krueger e um dos caras mais legais que conheço no meio, mostra toda a sua versatilidade na nova era do Eros. Apresentação rápida e certeira. 

John Wayne e Project 46 - Tai duas bandas que não me descem. O Project 46 até já me agradou, mas depois de dois ou três shows cansa. Ainda assim, repeito muito suas conquistas em tão pouco tempo e a força que seu nome já tem na cena. E justiça seja feita, a banda evoluiu bastante para esse show. Ainda que o vocalista Caio MacBeserra continue exagerando nas frases de efeito "brutais", parece bem mais contido. A qualidade do som também é legal, e já com um público cativo, fez um show dentro do que se esperava. Destaque também para Baffo Neto no baixo, figura mais que consagrada no Capadocia  e no trabalho nos bastidores com as bandas de Max Cavalera e Angra. Um show muito legal para os fãs, apenas Metalcore definitivamente não é meu estilo preferido. Já o John Wayne foi um desastre mesmo. A começar pelos problemas técnicos com os equipamentos desde o início, passando pelo som exageradamente alto. Ai o problema mora principalmente no vocalista, passando também pelo equilíbrio sonoro. Bem, sendo bem franco, achei o show uma coisa pavorosa, mas talvez o gosto pessoal pese em tal avaliação. A banda goza de certo prestígio na cena e parece ter agradado os fãs presentes, então que fique essa impressão. 

Velhas Virgens - Ai está um show sensacional para acompanhar num festival! Comandados por Paulão Carvalho e Juliana Kosso nos vocais e paramentados com um hilário avental de cozinha, o que vimos foi um Blues daqueles bem tocados com letras de humor puro e direto. O conteúdo somado às performances da dupla de vocalistas e falas sempre engraçadas garantiram um belo show de muita diversão na tarde de domingo. A cantoria do público, que tinha as letras na cabeça e seguia o comando de Paulão também foi algo notável. Uma banda que leva a sério o que interessa, mas nunca se levou a sério, segue trinta anos depois fazendo um som de respeito com performance ótima por onde passa. Uma das gratas surpresas do festival. 

Korzus - Hora do grande momento do festival. O show mais chamativo confirmou todas as expectativas que tinha. Essa verdadeira instituição do Heavy Metal brasileiro que há tempos não pisava na cidade vem disposta a tirar o atraso. Eis que uma legião de Thrashers se reúne na frente do palco para promover uma roda daquelas, e muita cantoria. Guilty Silence, do ótimo Ties of Blood, começa o show com tudo. Raise Your Soul representa a obra-prima Discipline of Hate, mostrando que o Korzus faria seu set baseado nos ótimos discos recentes - algo normal há tempos. Eu estou para conhecer alguém que tem mais o Heavy Metal na alma do que Marcello Pompeu. A cada show com o Korzus ele se mostra mais apaixonado pelo que faz, e aqui não foi diferente. Sempre com um discurso de devoção aos presentes, também fez questão de dar a dimensão exata do que estava acontecendo nesse fim de semana no Rio de Janeiro. Um cara que sofreu na pele com aquela bizarrice chamada Metal Open Air sabe muito bem a diferença para quando a coisa é feita por quem sabe. O show segue com Never Die, do mesmo Discipline of Hate. Bleeding Pride é a 1a de Legion, ótimo disco lançado em 2014 e pela 1a vez apresentado no Rio de Janeiro. What are You Looking For como sempre é cantada em uníssono, encorporando peso ainda maior às performances de Dick Siebert (baixo), Rodrigo Oliveira (bateria), Heros Trench e Antonio Araújo (guitarras). Discipline of Hate não deixa por menos, mostrando porque é uma das melhores músicas da carreira do Korzus. Pompeu segue com a aula de como comandar uma festa. Puxa gritos de efeito, vai pra grade cantar com o público e tudo que tem direito. A sensacional nova Vampiro deixa um mosh daqueles rolando, abrindo espaço para a sempre bombástica Correria. Thruth encerra a enorme participação do disco lançado em 2012, abrindo espaço para a única viagem além dos anos 2000 na obrigatória Guerreiros do Metal, uma bela celebração aos tempos de SP Metal - coletânea diretamente responsável pela festa desse fim de semana nos primeiros dias de Heavy Metal brasileiro. Legion fecha a conta com chave de ouro. 

Senti falta de algo dos três primeiros discos, principalmente de Mass Illusion, mas nada tira o brilho de um show digno do nome Korzus. Com sobras o show do festival.

Matanza - Então ocorre uma inversão entre as últimas duas bandas da noite. Eu ainda me recuperava do Korzus, já que não sou grande fã do Matanza como um dia já fui. Ainda que não tenha saco para seus shows hoje em dia, é inegável que a banda foi responsável por arrastar ao festival boa parte dos presentes - algo que justifica plenamente sua participação. No palco, a correção de sempre de uma banda que gosta de tocar ao vivo. De destaque mesmo, fico com as sempre hilárias intervenções de Jimmy, o gigante irlandês que é praticamente dono da banda. Papel muito bem cumprido. É lógico que tem incontáveis bandas que eu preferia ver ali, mas não tem como negar que o Matanza é um dos nomes que mais leva público aos shows no Brasil. Simples assim. 

Angra - Então com toda justiça coube ao Angra fechar a conta. A banda que passou pela cidade em agosto tocando a obra-prima Holy Land completa, agora enxuga aquele show memorável em músicas e participações. Fora a já consagrada formação com Fabio Lione (vocal), Rafael Bittencourt e Marcelo Babosa (Guitarra), Felipe Andreoli (baixo) e Bruno Valverde (bateria), o show teve como único reforço o sensacional percussionista Dedé Reis - que em certo momento da um verdadeiro show de capoeira. Agora com pérolas do porte de Holy Land, Z.I.T.O e Angels And Demons no roteiro, não tinha como esse show ser algo menos que espetacular. O Angra passa por um momento ótimo, e o Hell In Rio não deixou por menos. A esperada participação de Edu Falaschi acabou não rolando, mas a coisa saiu muito bem ainda assim. Newborn Me e Final Light representaram o disco mais recente, e ao lado de coisas como Wings of Reality, Nothing to Say, Time, Waiting Silence, Make Believe, Rebirth e Nova Era, promoveram uma viagem pela história da banda com um público que respondeu a altura. Esse público pediu incessantemente Carry On, e foi atendido com um duelo de Lione com o sempre simpático apresentador da festa Bruno Sutter. Infelizmente já tinha saído do local, e não presenciei de perto tal momento. 

   O saldo do Hell In Rio é fantástico. Tudo que dependia da organização foi cumprido com invejável profissionalismo. O Rio de Janeiro teve dois dias de festa com grandes nomes do Heavy Metal brasileiro ditando o baile. O festival é um verdadeiro marco para quem vive a tal cena de perto, e olhando a felicidade nos olhos de vários amigos e conhecidos responsáveis pelo acontecimento é algo realmente emocionante. Ainda que o público não tenha conseguido lotar o enorme espaço, quem foi também fez muito bonito em cada apresentação. Numa enorme diversidade de estilos, cada um viu o que queria e respeitou as bandas que não curtia, exatamente como manda o manual. Enfim pessoal, não tenho um  reparo sequer a fazer, e o Hell In Rio está mais que aprovado no nosso robusto calendário anual de shows. 


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